Catarina tinha 16 anos quando decidiu se inscrever
em um curso técnico de programação. Curiosa, ela tinha vontade de
aprender a fazer os códigos que a permitiriam se comunicar com os amigos
na Internet. Já fazia as alterações em seu blog por ela mesma, de
maneira autodidata, procurando informações em fóruns especializados.
Gostou tanto que decidiu ir além.
No primeiro dia de aula tomou um susto. Eram ela mais uns 15 homens.
Nenhuma outra mulher. Não achou que isso fosse um problema e continuou,
até que o professor anunciou que os três melhores alunos daquela escola
concorreriam a uma viagem, com tudo pago, para fazer um curso de
programação em São Paulo, em uma das melhores escolas do país. Ela era
do interior de Santa Catarina e sabia que aquela oportunidade poderia
mudar o seu futuro. Tirou a maior nota nas primeiras provas e foi aí que
sua vida mudou.
Quando chegava para as aulas, ela não
conseguia ligar seu computador. Quase todos os dias, tinha que
reformatá-lo ou trocar alguma peça do hardware. O estranho era que isso
só acontecia com ela, em uma sala de 16 alunos. Reclamou com o
professor, que disse que tudo não passava de uma brincadeira de
moleques. Chateada, mas disposta a continuar estudando, Catarina
continuou a frequentar as aulas. Até o dia em que o bullying se tornou
verbal. Os meninos insinuavam que ela tirava nota máxima porque mantinha
relações sexuais com o professor – o que não era verdade – ou diziam
que aquele curso não era feito para mulheres. Ela denunciou os ataques à
direção da escola, que nada fez, pois diziam que aquilo não passava de
uma brincadeira de moleques.
Com o tempo, Catarina deixou de
frequentar as aulas e ia à escola apenas para fazer as provas. Estudava
em casa, pelas apostilas, e seu rendimento caiu um pouco. Ainda assim,
ficou entre os três melhores. Eufórica, foi perguntar na secretaria
quando é que ela iria para São Paulo fazer o curso de programação.
Foi informada de que ela não iria. Os professores decidiram que dar sua
vaga a outra pessoa, um rapaz, porque consideravam que ela não levava
aquilo ali a sério e deveria deixar a vaga para quem realmente quisesse
trabalhar na área.
Um ano depois, ela prestou vestibular
para Física, porque “pelo menos poderia ser professora” e agora, aos 23
anos, desenvolve programas de computador para as pesquisas que seus
colegas de faculdade realizam no laboratório. Sonha em trabalhar no
setor, mas não vai tentar. Ela tem medo de sofrer, de novo, toda aquela
humilhação.
A história de Catarina, apesar de
limite, não é a única que revela a discriminação, muitas vezes velada,
que as mulheres sofrem nas carreiras
relacionadas ao setor de TI. Paula, 28 anos, analista de sistemas, me
contou que quando assumiu a chefia de um dos projetos da empresa em que
trabalhava, um de seus colegas também insinuou que ela só conseguiu a
promoção porque dormia com o chefe. E lhe dizia, todos os dias, que ela
não tinha competência para realizar aquele “tipo” de trabalho. Pior. Ele
não parou aí. Chefe de uma equipe de 13 homens, Paula teve um perfil
falso criado em uma rede de relacionamentos com fotos que ela havia
feito quando adolescente para uma campanha publicitária. No perfil,
constava uma série de frases que davam a entender que ela tinha uma vida
promíscua e um desejo insaciável.
Tanto Catarina quanto Paula tiveram suas
competências apagadas pelo acionamento de suas sexualidades. Em ambos
os casos, os colegas homens duvidaram de suas capacidades ou as
diminuíram insinuando que só conquistavam a nota boa ou a promoção pelo
uso do truque da sedução. Reduziram as profissionais a um papel que é
tido pelo senso comum como vulgar (e aqui, destaco que este é um
julgamento do senso comum, pois considero que é premissa de ambos os
sexos viver a sua sexualidade da maneira como bem entenderem), trazendo
as supostas experiências sexuais das duas como fator explicativo de seu
sucesso.
A pressão e o estresse vividos pelas
duas personagens desse post não são, infelizmente, casos isolados. Estão
presentes no cotidiano do mercado de trabalho e não devem ser tratados
como brincadeiras sem consequência. Uma terceira história, da Larissa,
acabou pior. As piadas, as insinuações, o assédio foram tantos que ela
não aguentou. Pediu demissão e está há quatro anos sem trabalhar na
área, fazendo tratamento psicológico. Ela duvida da sua capacidade de
trabalhar na área e tem síndrome do pânico quando chega perto da antiga
empresa. Seus parentes e ex-colegas, acham que ela exagerou, que é
frescura. Mas ela não aguentava mais o cotidiano de opressão.
Assedio moral é CRIME e deve ser denunciado e enfrentado (Saiba mais aqui: http://www.assediomoral.org/).
Às mulheres que atuam com TI e sofrem discriminação, o recado é que as
capacidades dos homens e das mulheres não são inatas. Não nascemos com
disposição à área de humanas ou exatas. Desenvolvemos esse interesse ao
longo de nossas vidas e isso depende do contato que tivemos com essas
disciplinas na escola, com exemplos de pessoas na família e nos círculos
de amizade, com o estímulo dos pais, o contato com tecnologias etc.
Nossas habilidades e capacidades desenvolvemos com muito estudo,
treinamento e prática.
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